quarta-feira, 2 de julho de 2014

O Craque das Crônicas se Apresenta para oJogo







CONVENIÊNCIA DE SER COVARDE 


Há tempos, fui á rua Bariri, ver um jogo do Fluminense. E confesso: – sempre considerei Olaria tão longí­nqua, remota, utópica como Constantinopla, Istambul ou Vigário Geral. Já na Avenida Brasil, comecei a sentir uma nostalgia e um exí­lio só equiparáveis aos de Gonçalves Dias, de Casimiro de Abreu. Conclusão: – recrudesceu em mim o sentimento contra qualquer espécie de viagem. Mas, enfim, cheguei e assisti à partida. Nos primeiros trinta minutos, houve tudo, rigorosamente tudo, menos futebol. Uma vergonha de jogo, uma pelada alvar, que não valia os cinco cruzeiros do lotação. E, súbito, ocorre o episódio inesperado, o incidente mágico, que veio conferir ao match de quinta classe uma dimensão nova e eletrizante.
Eis o fato: – um jogador qualquer enfiou o pé na cara do adversário. Que fez o juiz? Arremessa-se, precipita-se com um élan de Robin Hood e vem dizer as últimas ao culpado. Então, este não conversa: – esbofeteia o árbitro. Ora, um tapa não é apenas um tapa: – é, na verdade, o mais transcendente de todos os atos humanos. Mais importante que o suicí­dio, que o homicí­dio, que tudo o mais. A partir do momento em que alguém dá ou apanha na cara, inclui, implica e arrasta os outros à mesma humilhação. Todos nós ficamos atrelados ao tapa.

Acresce o seguinte: – o som! E, de fato, de todos os sons terrenos, o único que não admite dúvidas, equí­vocos ou sofismas é o da bofetada. Sim, amigos: – uma bofetada silenciosa, uma bofetada muda, não ofenderia ninguém, e pelo contrário: – ví­tima e agressor cairiam um nos braços do outro, na mais profunda e inefável cordialidade. À o estalo medonho que a valoriza, que a dramatiza, que a torna irresgatável.
Pois bem: – na bofetada de Olaria não faltou o detalhe auditivo. Mas o episódio não esgotaria ainda seu horror. Restava o desenlace: – a fuga do homem. Pois o juiz esbofeteado não teve medidas: – deu no pé. Convenhamos: – é empolgante um pânico assim taxativo e triunfal, sem nenhum disfarce, nenhum recato. Digo “empolgante” e acrescento: – rarí­ssimo ou, mesmo, inédito.
Via de regra, só o heroí­smo é afirmativo, é descarado. O herói tem sempre uma desfaçatez única: – apresenta-se como se fosse a própria estátua equestre. Mas a covardia, não. A covardia acusa uma vergonha convulsiva. Tenho um amigo que faz o seguinte: – chega em casa, tranca-se na alcova, tapa o buraco da fechadura e só então, na mais rigorosa intimidade ” apanha da mulher. Mas cá fora, à luz do dia, ele é um Tartarin, um Flash Gordon, capaz de varrer choques de polí­cias especiais.
Pois bem. Ao contrário dos outros covardes, que escondem, que renegam, que desfiguram a própria covardia ” o juiz correu como um cavalinho de carrossel. Note-se: Há hoje toda uma monstruosa técnica de divulgação, que torna inexequí­vel qualquer espécie de sigilo. E, logo, a imprensa e o rádio envolveram o árbitro. Essa covardia fotografada, irradiada, televisionada projetou-se irresistivelmente. E quando, em seguida, a polí­cia veio dar cobertura ao árbitro, este ainda rilhava os dentes, ainda babava materialmente de terror. Acabado o match a multidão veio passando, com algo de fluvial no seu lerdo escoamento. Mas todos nós, que só conseguimos ser covardes í s escondidas, tí­nhamos inveja, despeito e irritação dessa pusilanimidade que se desfraldara como um cí­nico estandarte.

[Manchete Esportiva, 17/12/1955]



RODRIGUES, Nelson. Conveniência de ser covarde. IN À sombra das chuteiras imortais : crônicas de futebol. Seleção e notas Ruy Castro.São Paulo : Companhia das Letras, 1993.


O livro completo está disponível AQUI



sábado, 21 de junho de 2014

Bloqueio Criativo





Quem nunca se deparou com a imensidão do papel em branco que anseia pelas palavras, mas estas se recusam a surgir,  a se submeter? Como romper essa barreira, o que fazer?
Muitos dicas já foram sugeridas, mas a que eu acho realmente mais eficiente é escrever. Isso mesmo! Parece bastante óbvio, mas não é. Escrever é um exercício e quanto mais rotineiro melhor. 
O meu bloquei mais recente foi escrever sobre uma imagem. Escolhi uma imagem que me chamou muito a atenção, mas que sabia que seria desafiadora, pois não tinha ideia de como criar um texto a partir dela. Tentei um texto infantil, mas não funcionou, uma crônica, nada surgiu. Não fiz o texto. 
Meu erro foi querer reinventar a roda, numa tentativa  de superação procurei espontaneamente o caminho mais difícil. Que bobagem! Não funcionou a minha tentativa de "terapia de choque" para vencer a impossibilidade de escrever. O bloqueio arreganhou seus dentes para mim e fiquei paralisada além de frustrada.Tudo bem, aprendi a lição.
Recuso conscientemente essa prisão e numa fuga azul alada me declaro livre. Ótimo, bloquei vencido e texto escrito.






quarta-feira, 28 de maio de 2014

Erro eu, erra você, erramos nós.





Errar, além de humano é cotidiano. Erramos em doses homeopáticas várias vezes ao dia: erramos o caminho para o trabalho, a senha do banco, o nome de alguém, a letra de uma música cantarolada distraidamente, a questão da prova. Cometer erros não é um problema, faz parte da nossa natureza. 
A  história da humanidade é uma coletânea de erros, por exemplo,  os troianos erraram ao levarem o cavalo de madeira para dentro de suas muralhas, Napoleão pisou feio na bola  ao tentar invadir a Rússia, Alexandre Fleming graças a um erro descobriu a penicilina e a lista continua...
Tento imaginar uma vida sem erros e, simplesmente não consigo. Estar correto o tempo todo deve ser muito aborrecido. É abrir mão  da descoberta do novo e deixar de lado mais uma oportunidade de aprender. Qual a graça?
Contudo, a reação diante do erro me intriga, tanto de quem erra, que se sente constrangido e humilhado, como de quem aponta o erro, que, muitas vezes, não tem nem um pouco de empatia.
Lembro do tempo de escola e minhas redações salpicadas de traços vermelhos, ou os odiosos ditados, que diga-se de passagem, foram feitos para provocar a dúvida e o erro, verdadeiras arapucas. Quem nunca passou pelo constrangimento de uma caneta vermelha impiedosa que, de verdade, só serve para nos deixar embaraçados?
Não faço apologia ao erro, ninguém quer errar, é claro, mas não temos como fugir, está em nosso destino. Nossa sina é errar. Precisamos é aprender a lidar melhor com os nossos erros e falhas, e com os dos outros também. Mais paciência, por favor!

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Em sua coluna de quatro de fevereiro de 1968, no Jornal do Brasil, Clarice Lispector pede ao linotipista, mais compreensão e respeito com seus erros:


"Desculpe eu estar errando tanto na máquina. Primeiro é porque minha mão direita foi queimada. Segundo, não sei por quê. Agora um pedido: não me corrija. A pontuação é a respiração da frase, e minha frase respira assim. E, se você me achar esquisita, respeite também. Até eu fui obrigada a me respeitar. Escrever é uma maldição."     (Clarice Lispector, "A descoberta do mundo".)

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Música boa para encerrar.


sexta-feira, 23 de maio de 2014

A Escrita Salva


Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.    


A história de um Raimundo, para quem a "rima" foi a solução. Linda história! Mas também muito triste! 




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Condicionado no dicionário quer dizer: imposto como condição. Raimundo, "O Condicionado", sofreu uma violência corriqueira, insidiosa e traiçoeira, a perda da expressão, do seu lugar de sujeito. Tentaram condicionar sua existência ao silêncio de seu discurso. 
A violência é, infelizmente, uma realidade em nossa sociedade. É claro que evoluímos, construindo limites e padrões de civilidade que não permitem mais atrocidades como escravidão e tortura, por exemplo. Porém é óbvio, que ainda não chegamos lá. Mas, onde é lá? Lá é o lugar em que as pequenas violências causam indignação e não se naturalizam.
Quantas vezes calamos a voz do outro sem nem mesmo percebermos? Na escola  crianças aprendem que a única voz válida é a do professor, no trabalho, muitas vezes, só o chefe tem voz, os políticos ignoram a voz dos seus eleitores. 
Raimundo conseguiu romper a concha do ostracismo, e abandonou a "ilha" que lhe foi reservada. Sua escrita tornou-se  a forma de sua expressão, seu grito incondicional de alerta. "Desgraçado do homem que se abandona" e se cala.

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Raimundo nasceu no dia 1º de agosto de 1938, na zona rural de Goiás. Chegou a São Paulo com 23 anos. Foi jardineiro e vendedor de livros. É morador de rua desde 79, no mesmo local desde 96. Um verdadeiro poeta! Tem um diário e escreve suas “mini páginas”, que distribui para quem passa por ele. Todas têm data de nascimento e um número de série. Assina suas obras como “O condicionado”.
Neste link mais detalhes da história de vida do Raimundo.


quarta-feira, 21 de maio de 2014

Cartas de Amor


Minha melhor escrita,  mais espontânea e viva. 

                          
                                             





terça-feira, 20 de maio de 2014

Mar da Palavra


Uma noite de lua cheia,  escondido atrás de um cega-machado florido, curumim vê os  mentuctires. Como são fortes! Sonha em ser como eles. Mas agora parece que o erefuê o pegou, o menino sente fraqueza, a cabeça dói e a pituíta borbulha quando respira.
Amanhã a mãe vai ter que sair cedo para crestar precisa fazer o remédio ruim que o curumim tem que beber para melhorar. E o pai vai ter que trazer pitu para o menino ficar bem. Ele não gosta de pitu porque dá lienteria. E quando o pajé chegar para cantar e acabar com sua fraqueza e dor tem que lembrar de fazer o rapapé. Depois, ele poderá voltar a sonhar.

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crestar - tirar o mel de (colmeia), colhendo parte dos favos.

erefuê - fluido negativo, oriundo de espíritos sem luz.

lienteria - diarreia em que as substâncias ingeridas são eliminadas sem que se tenha feito a digestão.

mentuctire - divisão dos índios caiapós que habita nas proximidades da cachoeira von Martius, no Xingu.

pituíta - secreção, mucosa glutinosa.

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Invadir o dicionário, conquistar seus verbetes, brincar com o significado. Navegar no mar da palavra, sem medo,  com entusiasmo, rumo a novas descobertas ao sopro da imaginação.



Revoada








Romance LIII ou Das Palavras Aéreas 

"Ai, palavras, ai, palavras, 
que estranha potência, a vossa! 
Ai, palavras, ai, palavras, 
sois de vento, ides no vento, 
no vento que não retorna, 
e, em tão rápida existência, 
tudo se forma e transforma! 

Sois de vento, ides no vento, 
e quedais, com sorte nova! 

Ai, palavras, ai, palavras, 
que estranha potência, a vossa! 

Todo o sentido da vida 
principia à vossa porta; 
o mel do amor cristaliza 
seu perfume em vossa rosa; 
sois o sonho e sois a audácia, 
calúnia, fúria, derrota... 

A liberdade das almas, 
ai! com letras se elabora... 
E dos venenos humanos 
sois a mais fina retorta: 
frágil, frágil como o vidro 
e mais que o aço poderosa! "


MEIRELES, C. Antologia poética. São Paulo: Global, 2013 (fragmento).

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Uma Brasília, muitas histórias.



A escritora nigeriana Chimamanda Adiche fez uma palestra para o TED, em julho de 2009, na qual alertava para o perigo de uma história única. Quando criança Chimamanda lia livros infantis britânicos e americanos. Escritora precoce, reproduzia, aos 7 anos,  em suas histórias o que lia, ou seja, seus personagens eram loiros, bebiam cerveja de gengibre e celebravam um dia de sol como um evento raro. Como os livros  não traziam em suas narrativas pessoas como ela, de cabelos crespos e pele escura, ela reproduzia somente o que lia. Ao ler escritores africanos ela, obviamente, compreendeu que a literatura era muito mais ampla, o que mudou sua percepção, ou  em suas palavras: "... o que a descoberta dos escritores africanos fez por mim foi: salvou-me de ter uma única história sobre o que os livros são".
Bem, mas o que isso tem a ver com Brasília? Brasília sofre da síndrome de uma história única. Eu mesma antes de morar aqui conhecia somente uma história sobre este lugar e que envolvia aspectos nada interessantes como corrupção, burocracia e até mesmo o título, nada elogioso, de ilha da fantasia. Vim para Brasília não por escolha própria, mas por causa da profissão do meu marido e não tinha grandes expectativas em relação à cidade, tudo levando por causa do que já ouvira sobre Brasília. Não vim predisposta a não gostar, mas tinha quase certeza que não iria me encantar.
Cheguei em um mês de abril e a cidade me recebeu com um verde esplendoroso. Devo confessar que sou apaixonada por árvores que, para mim,  simbolizam generosidade e partilha. Eu não sabia que em Brasília havia tantas árvores, quanto verde! Meu coração desprevenido começou a se render, Brasília sem alarde, ia docemente me conquistando.
E como são diferentes as árvores daqui, quanta variedade! Há as curvilíneas que desafiam as leis da física sem a menor cerimônia, as grandiosas como as figueiras brancas e as frutíferas carregadas de mangas e jacas. 
Mas, então, chegou a famigerada seca.  O sol impiedoso reinava absoluto tostando tudo e todos. Queimadas se alastravam, dizimando minhas adoráveis árvores e espalhando uma névoa desagradável sobre a cidade. Sentia que seria capaz de sorver todo o Paranoá de um gole só para aplacar a secura e sede constante. O verde se fora, me senti traída por Brasília, precisávamos discutir a relação.
Foram cinco longos meses de desentendimento, desconforto e desconfiança entre Brasília e eu. Porém, no finalzinho de setembro surge um barulho que eu não esperava, pois não sabia do que se tratava, eram as mensageiras das chuvas, as cigarras. Cantavam o dia todo, sabiam que a chuva já vinha e era hora da vida se refazer,  um novo ciclo se iniciava. E a chuva chegou abundante, forte, insistente lavando a cidade, a alma das pessoas e terminando a seca. Em uma semana tudo se transformou e o verde batia na minha janela pedindo passagem, e as cigarras ainda cantavam , aliás a cidade cantava. Brasília desferia seu golpe final: desfilava diante de meus olhos admirados  os Ipês carregados de flores e os Flamboyants, com sua explosão vermelha e seus galhos quase tocando o chão convidando para um descanso. Não há como recuar, meu coração se rende, sem luta.
Hoje eu reconheço em Brasília várias histórias. A odisseia de sua construção, a dedicação das pessoas para que a cidade florescesse, a natureza exuberante, a burocracia, .... Termino com as sábias palavras de Chimamanda que resumem o que aprendi com Brasília: "Quando nós rejeitamos uma única história, quando percebemos que nunca há apenas uma história sobre algum lugar, nós reconquistamos um tipo de paraíso." Eu reconquistei o meu.





Flamboyant em frente ao Tribunal de Justiça do DF



vestígios das mensageiras da chuva





Se tiver um tempinho, assista à palestra, vale a pena.




No blog  Brasília Poética  há uma variedade de poemas ,  textos e fotos sobre brasília, sua história e os desafios de sua construção.





Fragmentos de Brasília



O  idealizador:




Música e poesia:





Arte:





Os que pensam que são donos da cidade:





Os verdadeiros donos da cidade:




Um Behrro:


funcional e funcionária

lógica e lírica

amada e mamada

construída
por uma raça de gigantes

somos todos
cobaias

***

  
seria provisória
mas não
a história

no início 
toda de tábuas

hoje em dia
quem diria
a memória
se dissolve 
em alvenaria

***      
(“Brasifra-me” – Nicolas Behr)







sexta-feira, 25 de abril de 2014

A Terra Pulsa




Crédito: Courtesy of John Nelson/IDV Solutions


Não percebemos o quanto a humanidade está interligada, apesar das diferenças de religião, cultura e línguas dos povos. Somos, de fato, um único e grande organismo vivo. Na agitação cotidiana é difícil parar e perceber o outro, ou melhor, os outros. Caminhamos para um entorpecimento, como se nossa humanidade estivesse se perdendo aos poucos e não nos damos conta disso. Estamos nos fechando em nós mesmos, ficando rudes, duros, secos.
A simplicidade parece que não existe mais. Sempre estamos atrás de algo, da próxima conquista que finalmente trará satisfação, e assim a vida passa...
Nosso  modo de viver está cada vez mais mecânico, como em uma linha de produção. Será que estamos nos perdendo em meio a nossa pretensa modernidade? Como perceber a nossa vida na Terra, como cuidar deste planeta tão forte e ainda assim frágil?
É preciso compreender a diversidade que nos une, a ligação humana com a Terra, a vida que pulsa em nosso planeta. Precisamos desacelerar e apreciar o que temos de mais importante: a natureza e as pessoas.
O Profeta Gentileza denunciava o mundo, regido "pelo capeta capital que vende tudo e destrói tudo". Via no circo destruído em um incêndio em Niterói uma metáfora do circo-mundo que também será destruído. Mas anunciava a "gentileza que é o remédio para todos os males". Um refrão sempre voltava especialmente nas 56 pilastras com inscrições na entrada da rodoviária Novo Rio no caju: "gentileza gera gentileza". Convidava a todos a serem gentis e agradecidos. Quem aceita o convite?




No Museu Virtual Gentileza você encontra a história do Profeta Gentileza e sua peregrinação pelas ruas do Rio e Niterói, além das imagens das pilastras com suas palavras.











sexta-feira, 11 de abril de 2014

Dedicatórias


Recentemente, conheci o site "Eu te dedico" que é muito legal, a idealizadora do site é  a Mariana Guglielmelli. A ideia é simples mas o resultado é delicado e emocionante. A pessoa envia a imagem da capa do livro, da dedicatória e, se quiser, a história da dedicatória  para a Mariana publicar, só isso. É fácil se deixar levar em meio a tantos relatos legais, que em sua singeleza encantam. O teor da dedicatória, o carinho que ela contém e como faz de um livro um presente ainda mais especial é sempre impressionante. Abaixo alguns exemplos retirados do site:







E para fechar um história  de um livro e sua dedicatória especial que retornaram ao ponto de origem. A matéria completa pode ser lida  na página do jornal O Globo.





RIO - Era uma noite de terça-feira insuspeita em Copacabana. No fim daquele dia, 23 de outubro, um grupo de frequentadores do sebo Baratos da Ribeiro faria exatamente o que faz há cinco anos: se espremeria entre as prateleiras abarrotadas da livraria para mais um encontro do Clube da Leitura, evento quinzenal em que leem trechos de livros e trocam impressões sobre contos próprios. Quando chegou a sua vez na roda, o dono do sebo e fundador do clube, Maurício Gouveia, tirou da gaveta um livro que guardava há dez anos escondido no acervo: um exemplar em italiano de “Nove contos”, do escritor americano J.D. Salinger.
Não tinha coragem de vendê-lo. Com as bordas amareladas e as páginas carcomidas, aquele “Nove racconti” guardava uma dedicatória em português na página de rosto que Maurício considerava mais bonita do que todo o livro do autor do clássico “O apanhador no campo de centeio”. Um homem comum — que poderia ser um médico, um vendedor de sapatos ou um trapezista de circo — declarava seu amor a uma mulher, em Milão, em 26 de dezembro de 1966. Maurício leu a dedicatória enorme, que começava com a frase “De tudo que vem de você, permanece em mim uma vontade de sorrir” e se encerrava com a oração “a vida é um contínuo chegar de esperanças”. Ao final, subiu o tom para ler o nome do santo: Sylvio Massa de Campos.
Foi quando um dos frequentadores do clube soltou um “opa!”. O jornalista George Patiño conhecia a família Massa, da qual Sylvio era o patriarca. Ele não vendia sapatos, trabalhava em circo ou morava em Milão: o matemático e escritor Sylvio Massa de Campos estava vivo, trabalhara a vida toda na Petrobras, tinha 74 anos e morava logo ali, no Leblon.
— Tem certeza? — perguntou Maurício.
— Trago ele aqui no próximo encontro — prometeu George.
Feito. No dia 6 de novembro, um senhor de cabelos brancos, sorriso fácil e porte altivo entrou no sebo acompanhado de duas filhas e três netos. Emocionado, recebeu das mãos de Maurício o livro perdido. Releu a dedicatória em voz alta, com pausas longas entre uma frase e outra, o que só aumentava o suspense na livraria, entrecortado pelo ruído dos netos inquietos. Depois de ser longamente aplaudido, contou aos novos colegas a história por trás daquela mensagem.
Em 1966, ele fazia mestrado em Matemática em Milão com uma bolsa do governo brasileiro. Lá, conheceu uma italianinha de nome Febea, que tinha concluído os estudos em Literatura em Londres, e acabava de retonar à Itália. Quando ela comentou que conhecia José Lins do Rego e João Cabral de Melo Neto, e que adoraria aprender português para ler Guimarães Rosa, Sylvio se apaixonou na hora: apesar de trabalhar com algoritmos, era na literatura que descansava seus teoremas. Prestes a terminar a pós-graduação, no entanto, logo voltaria ao Brasil. O amor foi construído à distância.
— Nosso namoro durou um ano, 136 cartas, nove livros, dois telegramas e um telefonema — contou Sylvio, para suspiro coletivo da plateia, e espanto das filhas, que não conheciam todos aqueles números. — Naquele tempo, dar um telefonema era uma fortuna. Esta dedicatória escrevi no dia do meu aniversário, já doido por ela. Eu nem sei como perdi o livro, acho que foi numa mudança nos anos 80.
Um ano depois, Febea veio morar no Brasil, e Sylvio montou um apartamento no Méier para ela. Tiveram duas filhas, Isabella e Gabriella — que a essa altura se debulhavam em lágrimas na livraria —, e viveram felizes para sempre. Até que um câncer levou Febea aos 41 anos de idade. Sylvio nunca mais se casou.
— A arte de viver é a arte de acreditar em milagres, disse o poeta italiano Cesare Pavese, e se hoje eu estou aqui é porque ele está certo. Febea foi a pessoa que eu amei mais profundamente em toda a minha vida. E ela está presente aqui, nessas cinco pessoas que fizemos, nossas duas filhas e três netos. Esse é o milagre — declarou Sylvio, lembrando, ao final, uma frase que ouvira do neto quando ele tinha 4 anos, e que levava como mantra de vida: “Vovô, nada é grave.”

A dedicatória completa é essa:

Cara Febea,

“Per ottenere amore tragico ci vuole astuzia. Ma sono appunto gli imcapace de astuzia che hanno sete di amore trágico.”“Cesare Pavese 23/febbrairo de 1938. “Il mestiere di vivere.”

"De tudo que vem de você, permanece em mim uma vontade de sorrir. De todos os seus sorrisos, permanece em mim a sua tristeza. De todos os seus enganos, guardo o seu desejo de acertar. De todos os seus acertos, imagino a indiferença dos outros em não reconhecê-los. Imagino também a incapacidade deles para julgar o engano e elogiar o acerto. Nem num nem outro é  passível de julgamento. Você é que percebe o que reflete nos olhos dos outros! Quando enganas, sei que queres buscar a verdade. Para mim isso é suficiente.  Quando dizes  a verdade, não lhe creem  É o preço que o mundo oferece.  Me sinto capaz de distingui-los em silêncio. Quando  encontrar o desespero, pensas na tua tristeza, nos teus enganos, na indiferença dos outros, nas  mentiras do mundo, nas verdades buscadas. Corres o perigo de viver neste círculo desumano, para concluir que, talvez, nada vale a pena. É preciso que tu olhes que os sãos de corpo e espírito amam para depois errar e se desesperar mais tarde, porque se recordam que um dia foram puros de espírito.Daqueles que já erraram e voltam a receber, um dia, a luz do sol, ou uma gota de chuva, não têm mais medo do erro, nem a recordação de um dia havê-los cometido. O mundo pode agora surgir com sua bela singeleza. As flores têm agora o perfume original de sua castidade. A vida é um contínuo chegar de esperanças."


Encontrei  essa linda história, inicialmente AQUI



sábado, 5 de abril de 2014

A Palavra-Pedra e o Lago






A palavra-pedra 'salário' foi lançada  no lago subterrâneo do imaginário.  Lá ela quicou, movimentou a água tranquila, afugentou os peixes, molhou e espirrou, tocou em uma folha que boiava e por fim afundou. Lá do fundo ecoou:


$AL
                  ÁRIO
começa, termina, começa
$AL
                             OPERÁRIO
para quê? para ter, para ter
$AL 
                        HORÁRIO
 até quando? até quando?
$AL
                      ETÁRIO
nascer, crescer, viver
$AL
                                 MONETÁRIO
pagar, vender, comprar
$OLITÁRIO?

Subvertendo as Regras





Por que tudo sempre igual no mundo da escrita? Tudo sempre  do mesmo jeito. É tão difícil mudar e ser mais flexível!  Por que não posso usar todas as minhas ideias? Onde está determinado que eu não posso errar? Quando o humor e a imaginação foram banidos?Quem convidou o policial feroz da autocrítica?
Tenho direito de plantar minhas abobrinhas pelo texto. Não sou obrigada a escrever. Escrevo do meu jeito, no meu tempo e o quanto quero. Não julgo o texto de ninguém, e gostaria de ser tratada da mesma forma.

Razão de ser

Escrevo. E pronto.
                                                             Escrevo porque preciso,
               preciso porque estou tonto.
     Ninguém tem nada com isso.
             Escrevo porque amanhece,
                                                             e as estrelas lá no céu
           lembram letras no papel,
      quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
        O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
                                                             Tem que ter por quê?
                                                                                                          Paulo Leminsky


Há um lugar onde as regras são constantemente quebradas, mas o caos não se instala, as pessoas são felizes e a fantasia viceja. É possível subverter regras e ser criativo sem culpa, comendo uma  de marmelada de banana, ou se preferir uma goiabada de marmelo. O desafio está lançado!
                       






sexta-feira, 28 de março de 2014

Desenhando o Escrever









Escrever é antes de tudo um desafio para mim.As ideias fluem, em torrente, às vezes até demais. Então, olho para o papel e sinto a secura, a estiagem, o peso da caneta e a aridez do papel. Há um bloqueio que não é resolvido sem antes haver muita luta, e até mesmo um pouco de dor.
Não imagino o processo da escrita como fácil e suave para ninguém. Ao contrário, vários escritores já disseram que é penoso escrever. Contudo, para mim, vai além da dificuldade de encontrar a palavra que vai encaixar perfeitamente e traduzir o que quero dizer, ou a estrutura que pode ser melhorada, não, não é isso. Quando escrevo é como se tentasse acender uma fogueira de gelo! Exatamente isso, não consigo transpor o elemento ideias para o elemento papel. Será que em mim são como água e óleo e não se misturam?
Não acredito em inspiração mágica que de repente acontece e faz a escrita surgir, e é claro que sei que a prática conduz ao aprimoramento, mas a esta altura do campeonato gostaria de me sentir menos travada diante da caneta e do papel.
Penso que é uma caminhada de descoberta essa coisa de escrever, será que quero me descobrir? Ou prefiro me esconder? O certo é que ao escrever a gente se expõe. Por mais imparcial que se tente ser, não dá o papel faz um raio x de quem escreve como quem diz "Você é assim." 
Pois, então tá! Faço agora a opção de me revelar, não de uma vez, mas aos poucos. Acho que será mais produtivo do que seguir as dicas espalhadas pela internet que têm a pretensão de ensinar a escrever, leia bastante, escreva pela manhã seu cérebro está mais descansado, entenda as regras de gramática, fique isolado para não se distrair, ouça música enquanto escreve pra ajudar a se inspirar, etc. Algumas dicas são muito boas, mas não funciona assim como numa equação matemática, afinal no campo da escrita 2+2 pode ser 5. 
As palavras que definem o que sinto ao escrever são 'abundância', 'fluxo' e 'aridez', mas se eu fosse desenhar o escrever seria mais ou menos assim:



Das dicas que citei acima  sou praticante de duas, ouvir música e ler bastante. Deixo aqui uma música que descobri há pouco tempo, não sei se é suficientemente inspiradora  para ajudar a escrever, mas é muito boa.


E como não podia faltar um trechinho este sim inspirador, do livro "A Descoberta do Mundo" de Clarice Lipector:

"Quando não estou escrevendo, eu simplesmente não sei como se escreve. E se não soasse infantil e falsa a pergunta das mais sinceras, eu escolheria um amigo escritor e lhe perguntaria: como é que se escreve?
Por que, realmente, como é que se escreve? que é que se diz? e como dizer? e como é que se  começa?   e   que   é   que   se   faz   com   o   papel   em   branco   nos   defrontando   tranquilo?
Sei que a resposta, por mais que intrigue, é a única: escrevendo. Sou a pessoa que mais se surpreende de escrever. E ainda não me habituei a que me chamem de escritora. Porque, fora das horas em que escrevo, não sei absolutamente escrever. Será que escrever não é um ofício? Não há aprendizagem, então? O que é? Só me considerarei escritora no dia em que eu disser: sei como se escreve."

Se até ela tinha dúvidas ainda me resta esperança.