quarta-feira, 7 de maio de 2014

Uma Brasília, muitas histórias.



A escritora nigeriana Chimamanda Adiche fez uma palestra para o TED, em julho de 2009, na qual alertava para o perigo de uma história única. Quando criança Chimamanda lia livros infantis britânicos e americanos. Escritora precoce, reproduzia, aos 7 anos,  em suas histórias o que lia, ou seja, seus personagens eram loiros, bebiam cerveja de gengibre e celebravam um dia de sol como um evento raro. Como os livros  não traziam em suas narrativas pessoas como ela, de cabelos crespos e pele escura, ela reproduzia somente o que lia. Ao ler escritores africanos ela, obviamente, compreendeu que a literatura era muito mais ampla, o que mudou sua percepção, ou  em suas palavras: "... o que a descoberta dos escritores africanos fez por mim foi: salvou-me de ter uma única história sobre o que os livros são".
Bem, mas o que isso tem a ver com Brasília? Brasília sofre da síndrome de uma história única. Eu mesma antes de morar aqui conhecia somente uma história sobre este lugar e que envolvia aspectos nada interessantes como corrupção, burocracia e até mesmo o título, nada elogioso, de ilha da fantasia. Vim para Brasília não por escolha própria, mas por causa da profissão do meu marido e não tinha grandes expectativas em relação à cidade, tudo levando por causa do que já ouvira sobre Brasília. Não vim predisposta a não gostar, mas tinha quase certeza que não iria me encantar.
Cheguei em um mês de abril e a cidade me recebeu com um verde esplendoroso. Devo confessar que sou apaixonada por árvores que, para mim,  simbolizam generosidade e partilha. Eu não sabia que em Brasília havia tantas árvores, quanto verde! Meu coração desprevenido começou a se render, Brasília sem alarde, ia docemente me conquistando.
E como são diferentes as árvores daqui, quanta variedade! Há as curvilíneas que desafiam as leis da física sem a menor cerimônia, as grandiosas como as figueiras brancas e as frutíferas carregadas de mangas e jacas. 
Mas, então, chegou a famigerada seca.  O sol impiedoso reinava absoluto tostando tudo e todos. Queimadas se alastravam, dizimando minhas adoráveis árvores e espalhando uma névoa desagradável sobre a cidade. Sentia que seria capaz de sorver todo o Paranoá de um gole só para aplacar a secura e sede constante. O verde se fora, me senti traída por Brasília, precisávamos discutir a relação.
Foram cinco longos meses de desentendimento, desconforto e desconfiança entre Brasília e eu. Porém, no finalzinho de setembro surge um barulho que eu não esperava, pois não sabia do que se tratava, eram as mensageiras das chuvas, as cigarras. Cantavam o dia todo, sabiam que a chuva já vinha e era hora da vida se refazer,  um novo ciclo se iniciava. E a chuva chegou abundante, forte, insistente lavando a cidade, a alma das pessoas e terminando a seca. Em uma semana tudo se transformou e o verde batia na minha janela pedindo passagem, e as cigarras ainda cantavam , aliás a cidade cantava. Brasília desferia seu golpe final: desfilava diante de meus olhos admirados  os Ipês carregados de flores e os Flamboyants, com sua explosão vermelha e seus galhos quase tocando o chão convidando para um descanso. Não há como recuar, meu coração se rende, sem luta.
Hoje eu reconheço em Brasília várias histórias. A odisseia de sua construção, a dedicação das pessoas para que a cidade florescesse, a natureza exuberante, a burocracia, .... Termino com as sábias palavras de Chimamanda que resumem o que aprendi com Brasília: "Quando nós rejeitamos uma única história, quando percebemos que nunca há apenas uma história sobre algum lugar, nós reconquistamos um tipo de paraíso." Eu reconquistei o meu.





Flamboyant em frente ao Tribunal de Justiça do DF



vestígios das mensageiras da chuva





Se tiver um tempinho, assista à palestra, vale a pena.




No blog  Brasília Poética  há uma variedade de poemas ,  textos e fotos sobre brasília, sua história e os desafios de sua construção.





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