quinta-feira, 27 de março de 2014

Reparar

Um dos livros que mais gosto foi Ensaio sobre a cegueira de Saramago e a impressão já começa pela epígrafe, retirada do Livro dos Conselhos, "Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara." . Há aqui um conselho que propõe uma espécie de gradação da visão, de um “ver menos” para um “ver mais”. Entretanto, é clara a  impossibilidade de se enxergar  algo estando alienado. No final do livro uma das personagens principais, a mulher do médico, única que não ficou cega diz "Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos, que, vendo, não vêem"
Será que somos cegos que vendo não vemos? Nesta caminhada, cada vez mais individualista de nossa sociedade moderna é fácil deixar de ver, apesar de todos, exaustivamente, repetirem que é preciso foco.O distanciamento  leva cada um a observar apenas os  seus  próprios  interesses,  interesses  tais  que    serão  limitados  pelo  cálculo  da conveniência.
 Acredito que esse tal foco é o problema, ficamos olhando a vida pela fresta da janela e nem nos ocorre abri a janela e reparar nesse mundão. Ao abrir a janela e nossos olhos iremos finalmente reparar

Nas  formas:


Nas cores:


Na beleza de um instante:


Nas texturas, sabores e perfumes:



No que é pequenino:


E no que é grandioso:


Naquilo que é simples mas essencial:


E no que é mais complexo também:




No outro:


E no que seu olhar quer dizer:


Nas pequenas diferenças:


E não esquecer que às vezes parece que é, mas não é, ou será que é?


O mais importante é não culpar a falta de tempo, caso contrário a gente perde o encantamento que a viagem da vida traz.

Para não perder o costume:

Caminhar  é um perigo e respirar é uma façanha nas grandes cidades do mundo ao  avesso.Quem não é prisioneiro da necessidade é prisioneiro do medo:  uns não dormem por causa da ânsia de ter o que não têm, outros não  dormem por causa do pânico de perder o que têm. O mundo ao avesso nos  adestra para ver o próximo como uma ameaça e não como uma promessa, nos  reduz à solidão e nos consola com drogas químicas e amigos  cibernéticos.Estamos condenados a morrer de fome, morrer de medo ou a  morrer de tédio, isso se uma bala perdida não vier abreviar nossa  existência.”  
  ( Eduardo Galeano - De Pernas Pro Ar - A Escola do Mundo ao Avesso)






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