sexta-feira, 28 de março de 2014

Desenhando o Escrever









Escrever é antes de tudo um desafio para mim.As ideias fluem, em torrente, às vezes até demais. Então, olho para o papel e sinto a secura, a estiagem, o peso da caneta e a aridez do papel. Há um bloqueio que não é resolvido sem antes haver muita luta, e até mesmo um pouco de dor.
Não imagino o processo da escrita como fácil e suave para ninguém. Ao contrário, vários escritores já disseram que é penoso escrever. Contudo, para mim, vai além da dificuldade de encontrar a palavra que vai encaixar perfeitamente e traduzir o que quero dizer, ou a estrutura que pode ser melhorada, não, não é isso. Quando escrevo é como se tentasse acender uma fogueira de gelo! Exatamente isso, não consigo transpor o elemento ideias para o elemento papel. Será que em mim são como água e óleo e não se misturam?
Não acredito em inspiração mágica que de repente acontece e faz a escrita surgir, e é claro que sei que a prática conduz ao aprimoramento, mas a esta altura do campeonato gostaria de me sentir menos travada diante da caneta e do papel.
Penso que é uma caminhada de descoberta essa coisa de escrever, será que quero me descobrir? Ou prefiro me esconder? O certo é que ao escrever a gente se expõe. Por mais imparcial que se tente ser, não dá o papel faz um raio x de quem escreve como quem diz "Você é assim." 
Pois, então tá! Faço agora a opção de me revelar, não de uma vez, mas aos poucos. Acho que será mais produtivo do que seguir as dicas espalhadas pela internet que têm a pretensão de ensinar a escrever, leia bastante, escreva pela manhã seu cérebro está mais descansado, entenda as regras de gramática, fique isolado para não se distrair, ouça música enquanto escreve pra ajudar a se inspirar, etc. Algumas dicas são muito boas, mas não funciona assim como numa equação matemática, afinal no campo da escrita 2+2 pode ser 5. 
As palavras que definem o que sinto ao escrever são 'abundância', 'fluxo' e 'aridez', mas se eu fosse desenhar o escrever seria mais ou menos assim:



Das dicas que citei acima  sou praticante de duas, ouvir música e ler bastante. Deixo aqui uma música que descobri há pouco tempo, não sei se é suficientemente inspiradora  para ajudar a escrever, mas é muito boa.


E como não podia faltar um trechinho este sim inspirador, do livro "A Descoberta do Mundo" de Clarice Lipector:

"Quando não estou escrevendo, eu simplesmente não sei como se escreve. E se não soasse infantil e falsa a pergunta das mais sinceras, eu escolheria um amigo escritor e lhe perguntaria: como é que se escreve?
Por que, realmente, como é que se escreve? que é que se diz? e como dizer? e como é que se  começa?   e   que   é   que   se   faz   com   o   papel   em   branco   nos   defrontando   tranquilo?
Sei que a resposta, por mais que intrigue, é a única: escrevendo. Sou a pessoa que mais se surpreende de escrever. E ainda não me habituei a que me chamem de escritora. Porque, fora das horas em que escrevo, não sei absolutamente escrever. Será que escrever não é um ofício? Não há aprendizagem, então? O que é? Só me considerarei escritora no dia em que eu disser: sei como se escreve."

Se até ela tinha dúvidas ainda me resta esperança.








quinta-feira, 27 de março de 2014

Reparar

Um dos livros que mais gosto foi Ensaio sobre a cegueira de Saramago e a impressão já começa pela epígrafe, retirada do Livro dos Conselhos, "Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara." . Há aqui um conselho que propõe uma espécie de gradação da visão, de um “ver menos” para um “ver mais”. Entretanto, é clara a  impossibilidade de se enxergar  algo estando alienado. No final do livro uma das personagens principais, a mulher do médico, única que não ficou cega diz "Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos, que, vendo, não vêem"
Será que somos cegos que vendo não vemos? Nesta caminhada, cada vez mais individualista de nossa sociedade moderna é fácil deixar de ver, apesar de todos, exaustivamente, repetirem que é preciso foco.O distanciamento  leva cada um a observar apenas os  seus  próprios  interesses,  interesses  tais  que    serão  limitados  pelo  cálculo  da conveniência.
 Acredito que esse tal foco é o problema, ficamos olhando a vida pela fresta da janela e nem nos ocorre abri a janela e reparar nesse mundão. Ao abrir a janela e nossos olhos iremos finalmente reparar

Nas  formas:


Nas cores:


Na beleza de um instante:


Nas texturas, sabores e perfumes:



No que é pequenino:


E no que é grandioso:


Naquilo que é simples mas essencial:


E no que é mais complexo também:




No outro:


E no que seu olhar quer dizer:


Nas pequenas diferenças:


E não esquecer que às vezes parece que é, mas não é, ou será que é?


O mais importante é não culpar a falta de tempo, caso contrário a gente perde o encantamento que a viagem da vida traz.

Para não perder o costume:

Caminhar  é um perigo e respirar é uma façanha nas grandes cidades do mundo ao  avesso.Quem não é prisioneiro da necessidade é prisioneiro do medo:  uns não dormem por causa da ânsia de ter o que não têm, outros não  dormem por causa do pânico de perder o que têm. O mundo ao avesso nos  adestra para ver o próximo como uma ameaça e não como uma promessa, nos  reduz à solidão e nos consola com drogas químicas e amigos  cibernéticos.Estamos condenados a morrer de fome, morrer de medo ou a  morrer de tédio, isso se uma bala perdida não vier abreviar nossa  existência.”  
  ( Eduardo Galeano - De Pernas Pro Ar - A Escola do Mundo ao Avesso)






quarta-feira, 26 de março de 2014

Praticando o desapego


Campanha "Esqueça um livro"






Como Funciona?

Você está pronto para esquecer um livro?

DANILO VENTICINQUE
21/01/2014 12h20 - Atualizado em 21/01/2014 13h12

O brasileiro lê em média seis minutos por dia. Metade dos brasileiros não leu nenhum livro nos últimos três meses. 75% dos brasileiros nunca pisaram numa biblioteca. Diante de dados como esses, o pessimismo deixa de ser uma escolha e, para alguns, se transforma numa obrigação moral. Ao leitor brasileiro, esse ser tão improvável, só restaria lamentar a ignorância do público em conversas com outros raríssimos leitores, nos mesmos bares e eventos de sempre, e continuar a caminhada silenciosa rumo à extinção.

Num terreno tão inóspito, só loucos acreditariam que ações de incentivo à leitura têm algum futuro. Volta e meia escrevo sobre alguns deles. Há os quatro ou cinco twitteiros que transformaram uma hashtag despretensiosa numa campanha nacional para doação de livros. Há quem venda livros a preços populares em estações de metrô. Há quem transforme bicicletas em bibliotecas itinerantes. Todos unidos na loucura de acreditar que os brasileiros podem ler mais.Na última semana, deparei com mais um desses loucos, que atende pelo nome de Felipe Brandão. Ele é o criador da campanha “Esqueça um livro,  iniciada em abril de 2013. Participar dela é tão fácil que talvez você já o tenha feito sem querer: basta deixar um livro num lugar público para que outro leitor o encontre. A ideia é fazer com que os livros circulem em vez de voltar para a estante depois de lidos. O projeto é inspirado no BookCrossing, um projeto criado em 2001 nos Estados Unidos com um objetivo nada modesto: fazer do mundo uma biblioteca.
A biblioteca de Felipe ainda é modesta, mas sua loucura já começa a dar resultados. Desde abril, ele diz ter “esquecido” cerca de 800 livros em vários pontos de São Paulo e outras cidades. Outras pessoas também aderiram. "Já recebi fotos de livros 'esquecidos' na Times Square, em Nova York, e no Cristo Redentor", afirma Felipe.


"Os dados sobre leitura no Brasil são assustadores em relação a outros países, mas no meu dia a dia tenho visto algumas mudanças", diz Felipe. "As pessoas estão lendo mais. Um movimento como o 'Esqueça um livro' é pequeno, mas é o meu gesto. Tenho esperança de que o país pode melhorar por meio da leitura."

No próximo sábado, aniversário da cidade, a campanha deve crescer. Ele reuniu 600 livros e promete deixá-los no ponto de ônibus em frente ao Conjunto Nacional, na Avenida Paulista, as 14h. Outros leitores são convidados a levar seus próprios livros para "esquecê-los" no local, ou para encontrar suas próximas leituras. Leitores de outras cidades também podem participar e enviar fotos de seus livros “esquecidos” em qualquer lugar do Brasil. Antes de “esquecer” o livro, uma dica é escrever uma dedicatória explicando a campanha. "A ideia é que o livro continue circulando e seja esquecido novamente depois de lido", diz Felipe.
Distribuir livros depois de ler em vez de guardá-los na estante é uma loucura. Abandonar livros em lugares públicos, longe das prateleiras de livrarias e bibliotecas, é loucura. Acreditar que outras pessoas vão seguir a mesma ideia é loucura. Que a loucura de Felipe tenha tanto sucesso quanto a de outros loucos por leitura – e que algum dia eles convençam os pessimistas a parar de reclamar.

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Uma notícia curta e útil: está marcada para este domingo (30/03) a segunda edição do evento Esqueça Um Livro. Desta vez, o encontro será no Minhocão, em São Paulo. A meta é superar a marca de mil títulos distribuídos. A primeira edição, na Avenida Paulista, foi um sucesso. Esta coluna e o site da campanha têm mais detalhes para quem quiser participar.

Tirei  DAQUI

Bônus:

"Grito do Ipiranga" o relato de uma leitora-compulsiva que achou no desapego seu grito de liberdade.  

Desapegar é Preciso





Quem é leitor sabe que o livro é um objeto de desejo. Serei sincera, é quase uma compulsão possuir um livro. Livros nunca são demais e sempre cabe mais um na prateleira. Certamente em minhas prateleiras há livros que amo e sempre que posso releio, há também aqueles que já tentei ler, mas desisti (neste momento "Os Sertões" me encaram) e, finalmente, aqueles que estão na fila para serem lidos em breve, mas por favor, não me pergunte quando.
Livros são como amigos com os quais compartilhamos nossos pensamentos mais íntimos e assim formamos laços fortes e uma relação possessiva. É possível ter uma boa ideia da personalidade de alguém pelos livros que estão na sua estante. Luiz Rufatto, que em seu livro "Eles eram muitos cavalos" no capítulo intitulado 'A estante' no qual são enumerados uma série de títulos e seus respectivos autores, já declarou que sempre perguntam de quem é aquela estante. 
Contudo,  no fundo sabemos que é humanamente impossível dar conta de tudo que pretendemos, a imensidão da literatura é avassaladora. Logo, é bacana praticar o desapego literário. Li, no final de 2012,  a coluna do jornalista Danilo Venticinque que fala sobre esse tal desapego, segue um pequeno trecho abaixo:

"Falar sobre doações de livros é bonito, mas nem sempre é fácil doá-los. Quem acompanha a coluna há algum tempo sabe que o quanto é difícil enfrentar a vontade de acumular o maior número possível de títulos, mesmo quando não somos capazes de ler tudo. Vencer esse instinto de preservação da estante é difícil, mas é recompensador. O segredo é começar aos poucos, por onde dói menos. Ninguém se sente mal quando doa um livro que não gostou. Quando conseguimos fazer isso, não parece tão ruim a ideia de doar um livro que já lemos e não pretendemos reler. Ou até mesmo aquele que pretendemos reler, mas o tempo nunca permite. Com o tempo, ganhamos mais espaço na estante – e os livros ganham novos leitores.Claro que pouquíssimos abrirão mão de seus livros favoritos, aqueles que sempre nos trazem de volta para suas páginas. Mas ninguém precisa fazer isso para contribuir para a campanha. “O apaixonado por livros sempre tem livros sobrando”, diz Goldfarb. “Um livro abandonado na estante, por mais mágica que seja a sua história, é um livro morto. Ele precisa de leitores para que a sua história continue viva.” Neste Natal, dê esse presente aos seus livros."

Concordo com o jornalista, é preciso começar com pequenos gestos. Nas aulas de Oficina do professor leitor/escritor estou começando a praticar o desapego literário com nossa biblioteca solidária. Não, ainda não é doação é só um empréstimo longo .... Fazer o que? o instinto de preservação da estante ainda é forte em mimem mim.
A iniciativa é muto interessante, pois o empréstimo é de um livro importante, marcante, com valor afetivo, o que exige uma dose de desprendimento. O mais legal é que com a biblioteca solidária é possível conhecer melhor os colegas de turma, pois cada um deve revelar o que faz aquele livro ser especial.
Eu levei esse livro aqui ó:












A Palavra Primeira






A primeira palavra da qual tomamos posse é o nosso nome. Tem quem se sinta confortável e satisfeito com seu nome e tem quem não se sinta assim tão feliz. A escolha do meu nome, Ana Cristina, não tem nenhuma história especial e nem se trata de uma homenagem, foi escolhido por meus pais porque eles gostavam, simples assim.
Até bem pouco tempo eu era só Cristina ou Cris. Ana Cristina eu era só quando alguém chamava minha atenção. O Ana era só um apêndice, sem função, sem relevância, um enfeite do qual eu não gostava muito.
Quando comecei a estudar na UnB, já em uma fase mais madura da vida, eu estava tentando traçar novas rotas para mim,   não sei exatamente como, mas passei a ser chamada de Ana e somente Ana, o Cristina deixou de ser protagonista e Ana Começou a existir. Foi providencial, fase nova e nome 'novo'.  Ana me surpreendeu, com seu tamanho reduzido, apenas três letras, sendo uma repetida, deu conta de descortinar um mundo novo para mim. Cristina ainda vive entre os amigos mais antigos e a família.
Hoje, eu sou Ana Cristina e me sinto Ana Cristina por completo. Um pouquinho de Leminsky:


NOMES A MENOS   
                    
   
Nome mais nome igual a nome,
uns nomes menos, uns nomes mais.
     Menos é mais ou menos,
nem todos os nomes são iguais.

    Uma coisa é a coisa, par ou ímpar,
outra coisa é o nome, par e par,
    retrato da coisa quando límpida,
coisa que as coisas deixam ao passar.

    Nome de bicho, nome de mês, nome de estrela,
nome dos meus amores, nomes animais,
    a soma de todos os nomes,
nunca vai dar uma coisa, nunca mais.

    Cidades passam. Só os nomes vão ficar.
Que coisa dói dentro do nome
    que não tem nome que conte
nem coisa pra se contar?


Brincando com o meu  nome:



CRISTINA

CRIA        RIA
TINA        SAI
SINA        CAI
RICA         AR
CRINA      RI
CRISTA     IA




A menina RIA                                                                      
Enquanto o balão subia no AR                                                      
O sol SAI, enquanto a chuva CAI.
O cavalo balança a CRINA
A menina RI,
sonhos CRIA.
Sua SINA é viver













Uma homenagem a todas as Anas.











Bônus:
1. "O que há em um nome?" matéria da jornalista Martha Mendonça para a revista Época
2. Blog "Nomes Estranhos" nomes para quase tudo.


Iniciando a Jornada





Como nos relacionamos com a leitura e com a escrita? De quem somos mais próximos?
Sem medo de errar, afirmo que o livro e eu somos grandes amigos. Gosto de ler! Já  eu e a escrita trocamos apenas cumprimentos formais, acenos breves, não somos íntimas. Há um respeitoso distanciamento. Admiro quem escreve, não, na verdade invejo quem escreve. 
Desconfio que minha resistência à escrita nasceu na escola, tantas regras, tantos erros, tantos rascunhos e a  impiedosa caneta vermelha  da professora. Acabo de lembrar de um poema do Drumond:

Aula de português

A linguagem
na ponta da língua,
tão fácil de falar
e de entender.
A linguagem
na superfície estrelada de letras,                

sabe lá o que ela quer dizer?
Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,
e vai desmatando
o amazonas de minha ignorância.
Figuras de gramática, esquipáticas,
atropelam-me, aturdem-me, sequestram-me.
Já esqueci a língua em que comia,
em que pedia para ir lá fora,
em que levava e dava pontapé,
a língua, breve língua entrecortada
do namoro com a prima.
O português são dois; o outro, mistério.
Penso que Drumond achou o 'X' da questão, a escrita deve ficar sempre em contato com a "superfície estrelada das letras" sem se deixar aprisionar pelas garras das regras, só assim não perde seu encantamento. Cá entre nós,  Drumond sabia das coisas.